Uso medicinal da Cannabis: o que é, como age no corpo e o que você precisa saber.
- Mylena Melhem
- 13 de abr.
- 7 min de leitura
Atualizado: há 1 dia
Assunto muito falado nos últimos anos. Vou trazer aqui questões importantes, pontos e contrapontos.
Maconha ou Cannabis?
Dá no mesmo? Cannabis é o nome científico do gênero da planta. Faço questão de falar maconha aqui porque dia desses um conhecido teimou que o que ele usava era CBD, um medicamento, e não macooonha. Rs Acho que na vontade de cientifizar a coisa ou, pior, "embranquecer", parece mais distinto chamar Cannabis, para se apartar da ideia de droga.
Vale a pena pontuar que a planta conhecida popularmente como maconha é o que dá origem ao extrato, ao óleo, a tudo que se consome pelo nome de Maconha, Cannabis, "CBD".
O que é CBD?
O CBD é um dos canabinóides presentes no óleo. Quem consome CBD, geralmente está em uso do óleo full spectrum, ou seja, que tem todo o espectro de substâncias presentes naquela subespecie da planta, e não só CBD. O que vem descrito no frasco é a concentração de CBD e THC geralmente, mas ali estão os Fitocanabinoides, Flavonoides e Terpenos.
E o que é THC?
É um outro fitocanabinoide presente nas plantas do gênero Cannabis, em maior ou menor concentração. Em concentrações altas, ele é o principal responsável pelo "barato", pela "onda", no uso recreativo da maconha fumada. Exatamente por isso, há maior "medo da droga" e maior reatividade quando se fala em THC.
Há países, como Portugal, que só legalizaram o uso medicinal de apresentações que usem subespécies com THC<0,1%.
E então, perde-se seu efeito poderoso também medicinal. Ainda assim, se recomenda usar o óleo full spectrum. Mesmo <0,1%, ali tem THC e é importante que tenha mesmo todos os canabinóides pelo efeito comitiva!
E o que é o efeito comitiva (Entourage effect ou efeito séquito)?
É o efeito sinérgico entre fitomoléculas da cannabis! Ou seja, o efeito final, quando as substâncias estão unidas no extrato da planta, full spectrum (todo o espectro), é maior do que a simples soma de efeitos de cada substância isolada.
E juntos, um contrabalanceia, regula, o outro no sistema endocanabinoide.
A Cannabis tem uma grande diversidade de substâncias (“uma farmacopeia inteira”), conhecidos em grupos de Canabinoides (Fitocanabinois), Terpenos e Flavonoides. Na fitoterapia geral, não só na fitoterapia em Cannabis, se observa esse efeito comitiva, que nos impele a usar a planta como um todo e não o princípio ativo isolado, como geralmente faz a alopatia.
E o que é esse Sistema Endocanabinoide?
Descoberto inicialmente em 1964 pelo Raphael Mechoulam, químico orgânico, de origem Búlgara, radicado em Israel.
É um sistema no nosso organismo composto de: receptores canabinóides, endocanabinoides e enzimas.
Os principais receptores estudados até o momento são CB1 e CB2. Foram os primeiros a serem descobertos! Os receptores CB1 são mais abundantes no cérebro. Os CB2 são mais abundantes fora do sistema nervoso. Ambos, podem ser encontrados em todo o corpo.
Os endocanabinoides, no sistema nervoso, funcionam um pouco diferente do habitual, pois são sintetizados na membrana pós-sináptica e atuam no receptor de canabinóides na membrana pré-sináptica. Ou seja, funcionam na direção contrária ao habitual. Os endocanaboniódes, portanto, são neurotransmissores de sinalização retrógrada.
Endocanabinoides é como chamamos os canabinoides produzidos no nosso próprio sistema nervoso: 2 AG, Anandamida, entre outros.
Pode ser entendido como um sistema de freio à hiperexitabilidade neuronal.
O que nos lembra do efeito benéfico já tão estudado do uso de canabinoides exógenos (da cannabis por exemplo) em casos de Epilepsia.
Então como o uso da Cannabis atua nesse nosso sistema endocanabinoide?
Atua exatamente nessa possibilidade de regular, modular, esse sistema.
Diversas outras plantas são capazes de produzir fitocanabinoides, mas não com a mesma afinidade pelos receptores canabinoides humanos que têm os da Cannabis.
Uma vez que temos no nosso organismo o sistema endocannabinoide, temos receptores para esses neurotransmissores e podemos fazer uso de cannabinoides externos, há uma vasta gama de doenças em que o uso de Canabinoides pode atuar.
Exemplo de condições em que pode ser indicado o uso de Cannabis:
Depressão
Ansiedade
Tabagismo
Insônia
Epilepsia
Parkinson
Alzheimer
Dor crônica
Fibromialgia
Então poderíamos usar como tratamento para tudo isso?
Um contraponto que quero trazer é, calma.
Há pesada iniciativa financeira de mercados loucos para lucrar com esse "novo" sistema cerebral que pode ser manipulado a partir de "novas substâncias".
E, por conta disso, tenho visto muita reportagem sensacionalista, trazendo a maconha como solução bala de prata, ou seja, a melhor coisa do mundo para todas as doenças.
Há grupos de doenças que já temos resultados bem documentados cientificamente em relação ao tratamento com Cannabis. Muitas outras doenças não. E a dificuldade de regulamentar o uso atrasa as pesquisas. As pesquisas estão muito avançadas em países que regulamentaram o uso.
Além disso, nenhuma substância é bala de prata porque não somos organismos inertes manipulados por neurotransmissores.
A cannabis medicinal traz um mundo de possibilidades, mas todo adoecimento tem aspectos também não biológicos. Aspectos relacionados ao contexto interno e externo do adoecimento, fatores psicológicos, sociais, etc.
Do ponto de vista biológico, se vamos recorrer a uma medicação, é uma escolha muito interessante poder recorrer a um fitoterápico, uma planta em full spectrum, algo que vai poder funcionar em melhor harmonia com o corpo do que um princípio isolado ou sintético.
E sobre as resistências?
Há uma série de resistências ao avanço legal da legalização da maconha, pautadas em tabu social, medo e desconhecimento.
Os dados científicos cada vez avançam mais, sustentando o posicionamento contrário.
A maconha utilizada enquanto fitoterápico, para fins terapêuticos, é mais segura do que a grande maioria de medicamentos que prescrevemos na alopatia. Não vou entrar aqui na seara do uso recreativo porque daria outro texto, que tem tudo a ver com tabu, descriminalização, neurose social, guerra às drogas e também é tema muito importante.
Voltando ao uso para fins medicinais, tem uma frase que fala que a diferença entre o veneno e o remédio está na dose. A original na verdade é:
Todas as substâncias são venenos, não existe nada que não seja veneno. Somente a dose correta diferencia o veneno do remédio.”
Paracelso (1493-1541).
Eu complementaria que a diferença está no modo de uso, na finalidade do uso, em quem usa, nas condições desse indivíduo que usa e em seu contexto.
No entanto, pensando na substância em si, você já viu (não vale fakenews) algum caso de overdose por maconha? Não existe. A única overdose reportada foi em laboratório, utilizando doses cavalares para tentar encontrar essa tal dose capaz de overdose.
A meu ver, esse combate ao avanço da regulamentação do uso da maconha só atrasa a situação de quem poderia ser beneficiado pelo uso, pois torna tudo mais burocrático e caro, não só o acesso ao óleo, como também as pesquisas. No Brasil, a Anvisa autoriza o uso compassivo, ou seja, para doenças crônicas que não responderam bem ao tratamento convencional.
No momento legal em que estamos, é necessário, além da prescrição médica, um relatório médico justificando a necessidade do uso e o paciente tem que encomendar nas associações ou importar de países em que o uso já está bem regulamentado.
E como Médica de Família, como posso prescrever Cannabis?
Faz tempo que inseri esse recurso terapêutico como uma das opções muito interessantes de tratamento a serem apresentadas para meus pacientes.
Sim, fiz curso para aprender a prescrever, porque o sistema endocanabinóide ainda não parece estar no programa de ensino médico no Brasil. Por outro lado, não faltam revistas científicas e guidelines para me manter atualizada sobre o tema.
O que vamos discutir na consulta sobre Cannabis?
Inicialmente busco conhecer a pessoa como um todo e dialogar com ela sobre os entendimentos do adoecimento e as possibilidades de cuidado.
Se há uma indicação de uso de Cannabis e a pessoa deseja usar, vamos abordar na consulta os seguintes pontos:
-Qual a indicação do uso para a situação de saúde do paciente;
-Quais evidências científicas temos para essa condição de saúde;
-Benefícios e preocupação com danos potenciais. Um dos danos potenciais que as pessoas costumam se preocupar é quanto ao potencial de dependência, como se a maconha fosse uma porta de entrada para outras drogas. Eu entendo que a maconha pode ser utilizada como porta de saída para drogas, como tabaco e tranquilizantes.
-Como teria acesso ao medicamento;
-Quanto tempo pode fazer uso da Cannabis (geralmente indeterminado);
-Quanto tempo vai demorar pra funcionar;
-Como isso pode afetar sua capacidade de dirigir. Pela legislação não é para dirigir sob efeito, pois pode reduzir os reflexos.
-Viagem para o exterior: levar o documento respaldando o uso terapêutico, mas se orienta a consultar a legislação do país para o qual está indo;
Qual tipo de óleo? Vou usar o mais rico em THC? O mais rico em CBD?
Depende de qual condição de saúde a pessoa está vivenciando e o efeito que desejamos obter. O que para um é um efeito adverso, como sonolência, para uma pessoa sofrendo com insônia é o efeito desejado.
Qual a dose?
A dose ideal é aquela dose em que obtém o efeito terapêutico sem efeitos colaterais ou efeitos psicotrópicos.
É necessário ir titulando a dose aos poucos porque, ao introduzir o Cannabinoide, o próprio sistema endocanabinóide será estimulado. É importante titular e individualizar a dose aos poucos com sua médica.
Por fim, lembro sempre de compartilhar com o paciente a responsabilidade quanto ao seu tratamento. Lembrar que nenhum medicamento, alopático ou fitoterápico, é bala de prata. O processo de adoecimento é multifatorial e precisamos de um olhar ampliado para caminhar em busca de equilíbrio na saúde.
Se esse tema despertou sua curiosidade e você quer se aprofundar mais, recomendo assistir ao documentário “The Scientist”. Ele conta a história de Raphael Mechoulam, o cientista que descobriu o sistema endocanabinoide. É fácil de encontrar na internet e vale muito a pena!
E se você sente que a Cannabis pode ser uma possibilidade no seu processo de cuidado — ou quer conversar sobre suas dúvidas, receios e expectativas — estou à disposição. Na consulta, vamos olhar para a sua história de forma individualizada, avaliar se há indicação e, juntos, decidir os próximos passos. Será um prazer te acompanhar! Você pode agendar sua consulta online clicando no botão abaixo.
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