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Fibromialgia: quando o corpo todo dói e ninguém entende.

A Síndrome da Dor Generalizada ou Fibromialgia é uma condição de saúde muito importante. Leva a uma série de comprometimentos na vida e não se encaixa nos protocolos médicos.



Dói tudo, dói muito.

Não há muita explicação médica para as dores.

Nenhum exame mostra nada.

Nenhum tratamento específico.


Além disso, é comum a pessoa com Síndrome da Dor Generalizada não ser devidamente levada a sério. 

Escutam: "você não tem nada, seus exames estão normais" ou ainda, por conta de estigma de doenças relacionadas à saúde mental "isso é coisa da sua cabeça". 


Desesperador não é? Incrivelmente recebo pessoas relatando tudo isso frequentemente. 


Um bom acompanhamento nessas situações faz toda a diferença! Aqui não menosprezamos a percepção de dor do paciente nem menosprezamos uma situação de sofrimento (físico ou psíquico) apenas por não haver explicação médica clara.


Nesse texto vou primeiro trazer algumas considerações gerais e, depois, apontar possibilidades de cuidado.


O que é Síndrome da Dor Generalizada ou Fibromialgia?

Toda síndrome é um conjunto de sinais e sintomas. Nesse caso, é um conjunto de dores em um determinado padrão, em determinados pontos do corpo todo!


Características dessa Síndrome

-Não inflamatória;

-Localizada no sistema músculo-esquelético;

-Causa desconhecida.


Outros sintomas relacionados

-Sono não reparador e a fadiga estão  presentes na grande maioria dos pacientes. 

-Sensação de inchaço, particularmente nas mãos, antebraços e trapézios.

-Há também outros sintomas inespecíficos que são relativamente comuns: dor de cabeça, tontura, zumbido, dor no peito, palpitação, dificuldade de concentração ou memória.


Relação com Depressão

Cerca de 30% a 50% dos pacientes com Síndrome da Dor Generalizada possuem também depressão.

Ansiedade, alteração do humor e do comportamento, irritabilidade ou outros problemas de humor acompanham cerca de 1/3 destes pacientes.

Se existe uma relação causal entre Depressão e Fibromialgia, não está explicado. 

O que se sabe é dessa alta concordância. 


Possíveis explicações

Explicar a Fibromialgia é motivo de controvérsia no meio científico, afinal, não há um substrato anatômico na sua fisiopatologia.

Tem semelhanças com a depressão maior e a síndrome da fadiga crônica. 

Há que defina a Fibromialgia como uma síndrome de psicossomatização, ou seja, a conversão para o corpo, a partir de sofrimento psíquico. 

Além disso, desde 1980, uma vertente de pesquisa identificou que há também, nas pessoas com Fibromialgia, uma sensibilização do sistema nervoso à dor. 


Apesar de não haver uma explicação enquanto uma doença, uma vez que essas pessoas apresentam um padrão de dor generalizada, importante e, muitas vezes, incapacitante, é importante o reconhecimento dessa condição.


Diagnóstico: reconhecimento


Em 1990, o Colégio Americano de Reumatologia, publicou critérios de classificação da fibromialgia, que, em seguida, foram validados para a população brasileira. 

Dentre os critérios, destacam-se uma sensibilidade dolorosa em pontos anatômicos preestabelecidos, denominados tender points, que etão representados na imagem logo abaixo.

O número de tender points relaciona-se com avaliação global da gravidade das manifestações clínicas, fadiga, distúrbio do sono, depressão e ansiedade.


Onde são esses pontos sensíveis (tender points)?












Tratamento: Como cuidar?


Uma vez que não há uma explicação médica para a Fibromialgia, o tratamento medicamentoso consiste em melhorar as manifestações clínicas. 

Por exemplo: 

-Para cuidar de estados depressivos, utilizamos os antidepressivos. Alguns deles atuam também no mecanismo neurológico de percepção de dor. 

-Para aliviar a crise de dor, utilizamos analgésicos e relaxantes musculares.

-Para melhorar a qualidade do sono, podemos pensar estratégias medicamentosas ou não medicamentosas. Aproveito para lembrar que o uso de benzodiazepínicos ("tarja preta") deve ser evitado para situações crônicas, uma vez que tem alto potencial de dependência.


O tratamento tem como objetivos o alívio da dor, a melhora da qualidade do sono, a manutenção ou restabelecimento do equilíbrio emocional, a melhora do condicionamento físico e da fadiga e o tratamento específico de desordens associadas. 


Alguns recursos não medicamentosos possíveis, apontados na Diretriz Brasileira de Fibromialgia (2004) são:

-Exercício: aeróbico, sem carga,sem grandes impactos para o aparelho osteoarticular, como dança, natação e hidroginástica. Tende a melhorar o funcionamento global do sistema osteoarticular, ajudando a reduzir a dor, além de ajudar na qualidade do sono.

-Acupuntura

-Psicoterapia

-Hipnoterapia e Biofeedback



Tratamento segundo uma atualização de evidências publicada no BMJ

BMJ é uma revista científica renomada! Um artigo publicado no BJM cuja citação e link estão logo abaixo, apresentou as conclusões sobre evidências científicas mais recentes em relação ao tratamento da Fibromialgia. 

Esse trabalho foi feito a partir de um grupo composto por 12 países, que revisou os últimos estudos  relacionados ao tratamento de fibromialgia. 

Os resultados estão em escala de "Recomendação fraca ou forte contra ou a favor do uso". Isso é baseado nos estudos revisados concluíram. Se a recomendação é fraca, a favor ou contra, significa que mais pesquisas ainda precisam ratificar aquele resultado para que seja considerada uma recomendação forte. No entanto, é o que temos de estudos do tratamento da fibromialgia até o momento dessa publicação!


Quer saber o que concluíram nesse estudo publicado no BMJ?


-Tricíclicos: Recomendação (fraca) a favor do uso, dose baixa.

-Anticonvulsivantes: pregabalina - Recomendação (fraca) a favor do uso/ gabapentina - poucas pesquisas.

-Relaxante Muscular: Recomendação (fraca) a favor. 

-Hormônio de crescimento: Recomendação (forte) contra o uso.

-Inibidores da monoaminoxidase: Recomendação (fraca) contra o uso.

-Antiinflamatórios: Recomendação (fraca) contra o uso.

-Inibidores de serotonina/noradrenalina: Recomendação (fraca) a favor. 

-Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina: Recomendação (fraca) contra o uso.

-Oxibato de sódio: Recomendação (forte) contra o uso.

-Acupuntura: Recomendação (fraca) a favor. 

-Biofeedback: Recomendação (fraca) contra o uso.

-Capsaicina: Recomendação (fraca) contra o uso.

-Quiropraxia: Recomendação (forte) contra o uso.

-Terapia Cognitivo Comportamental: Recomendação (fraca) a favor. 

-Exercício aeróbico: Recomendação (forte) a favor.

-Hidroterapia: Recomendação (fraca) a favor. 

-Hipnoterapia: Recomendação (fraca) contra o uso.

-Massagem: Recomendação (fraca) contra o uso.

-Movimentos Meditativos (Qi Gong, Tai Chi, Yoga): Recomendação (fraca) a favor. 

-Terapia Mindfulness: Recomendação (fraca) a favor. 

-Terapia multi (psicoeducação ou psicoterapia combinada com exercício): Recomendação (fracas) a favor. 

-Metionina S-adenosil: Recomendação (fraca) contra o uso.


Acredito que seja importante os pacientes terem acesso a esse tipo de conhecimento. Por outro lado, por favor, não vá sair se prescrevendo por aí! A decisão de quais tratamentos fazer deve ser feita com sua médica, que é especialista em avaliar você, sua saúde, e relacionar tudo isso aos estudos. Os médicos devem saber avaliar cada estudo desses criticamente: qual metodologia foi usada? havia limitações? Vieses? Quais são os contrapontos? O que posso interpretar? O que isso tem a ver com o caso específico da minha paciente?


Fonte: Macfarlane GJ, Kronisch C, Dean LE, et alEULAR revised recommendations for the management of fibromyalgiaAnnals of the Rheumatic Diseases 2017;76:318-328. Disponível em: https://ard.bmj.com/content/76/2/318


Possibilidade de tratamento com Cannabis Medicinal

Os canabinóides estão envolvidos no processamento da dor e na regulação do stress crónico e no sono. Têm apresentado resultados positivos, além de ser um fitoterápico de baixo risco de efeitos colaterais.

No Brasil, o uso terapêutico da Maconha medicinal ainda é entendido como "experimental". No entanto, em casos refratários, sem melhora, o uso é autorizado. É necessário ter relatório médico justificando o uso e prescrição, claro. 

Para ler mais sobre esse assunto e sobre como eu trabalho com Cannabis Medicinal, Clique aqui.


E  a psicossomática?

É ciência, mas não dessas que dá para medir e reproduzir em protocolos médicos. Quem estiver aberto a essa abordagem, será um prazer investigarmos por aí também as dores. É assunto que estudo e faz todo sentido pra mim. 

Veja bem, não é receita de bolo! Vamos explorar: Em que contexto surgiram essas dores? Quais pensamentos e emoções estavam como pano de fundo? O que seu corpo pode estar comunicando através dessas dores? Calma, essas perguntas podem ser muito mobilizadoras e, por isso, é tudo muito aos poucos, de acordo com os tempos e desejos de cada um. 


Como eu enquanto Médica de Família com formação em Psiquiatria cuido de pessoas com Fibromialgia?

Acompanho a pessoa com Fibromialgia buscando, lado a lado, oferecer suporte e alívio, pensando na melhora global da dor e da qualidade de vida. 


Um bom acompanhamento implica em:

-Consulta de qualidade para avaliar a pessoa como um todo: como está a saúde psíquica? e a pressão arterial, tem aumentado quando está com dor? como é sua rotina diária? como tem dormido? com o que trabalha? 

-Tratamento medicamentoso: se necessário, recorremos a antidepressivos, cannabis ou outros. Utilizamos também a escala de analgesia para promover o alívio necessário, pesando, claro, a segurança, considerando efeitos colaterais e interações medicamentosas.

-Orientações de medidas não medicamentosas nas consultas médicas: é possível fazer exercício? qual? É possível fazer psicoterapia? O que pode ajudar no seu caso? Tudo isso é dialogado na consulta. 

-Acompanhamento terapêutico que oferecemos através da equipe de enfermagem: entre as consultas médicas, você pode contar sempre com o apoio especial da enfermeira, remotamente.


Ah, grande parte do acompanhamento pode ser feito online. Vejo relatos de pessoas em crise de dor, fazendo grandes deslocamentos para conseguir acesso a tratamento. Hoje, pelo acompanhamento médico online, podemos avançar muito!





 
 
 

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